Antonio Deltoro, México, 1947-2023

Fecha: 12 junio, 2023

O temperamento e a figura de Antonio Deltoro não eram iluminados, mas de uma velha criança que muitas vezes jogava um jogo muito difícil em seus poemas: fazer da poesia uma casa habitada e habitável.

O poeta mexicano Antonio Deltoro morreu aos 76 anos.

Por Mayco Osiris Ruiz

A morte de um poeta, dizem os especialistas, sempre deixa um vazio na linguagem. Diante das coisas que escreveu – e se forem autênticas terão a textura do duradouro – o aglomerado das que não escreverá mais se ergue, com mais clareza. Até antes de fevereiro de 2018, pensava na obra de Antonio Deltoro como um itinerário que ainda tinha um longo caminho a percorrer; um trecho que cresceria ainda mais se ele o percorresse com aquela lentidão que se tornou um princípio de sua arte, sua forma preferida de se surpreender com aquele mundo que o interessava, mais do que apreender o mistério, chegar a acolher sua maravilha .

Alguns dias antes do acidente que aconteceu com ele, eu o acompanhei em seu caminho por Xalapa, onde havia chegado com Marta, sua esposa e o poeta Juan Carlos Abril. No meio daquele clima festivo em que passou toda a sua estadia, disse-me, entre brincadeira e franqueza, que estava um pouco preocupado com o que eu ia dizer sobre o seu livro (há uns meses convidou-me para apresentar na feira do livro do Palácio Mineiro) e dizer-lhe se a minha leitura foi favorável ou adversa. Respondi que só tinha admiração por ele e por sua obra, e que meu texto, além do carinho, o homenageia em quase tudo, menos em uma coisa. Em qual?, ele me perguntou intrigado. Você vai descobrir, eu disse gravemente, e depois de nos olharmos e rirmos, nós dois nos concentramos em nossos pratos separados de arroz a tumbada.

Essa objeção, que ele não chegou a conhecer e que o poeta Adán Brand (seu outro apresentador) também tinha, era em relação a um certo tom ou ar de despedida que continua nas páginas de Ruminantes e feras (2017) como lembrete do clarividência que atende poetas e que, de vez em quando, se cumpre de forma infelizmente literal. Desde então, tive que me acostumar a pensar em sua obra como um fato truncado antes do tempo por desígnios tão misteriosos quanto os da poesia. Uma obra, porém, que soube atingir a sua maturidade há muitos anos –talvez a partir das páginas de Balanza de sombras (1997), onde se arredonda a sua ânsia de lentidão– e que, nesse sentido, não fez senão pausar, afinar sua voz até o silêncio. Hoje, quando nos deixou, pode continuar sozinho a sua tarefa de ser para nós «como um baixo-relevo no ruído dos tempos».

Com isso e tudo, embora uma empreitada como esta não seja pouca coisa, sempre que penso nele como um grande sábio poeta, dedicado a forjá-la, a atender, em toda a sua pureza, a Arte e o mundo, uma parte de mim rebeldes e Ele me conta que, embora fosse isso e mais, seu temperamento e sua figura não eram iluminados, mas de uma criança velha que muitas vezes jogava um jogo muito difícil em seus poemas: fazer da poesia uma casa habitada e habitável. Ele soube aproximar-se da profundidade a partir da simplicidade como ninguém, «sem simbolismo/ou transcendência», porque deu às coisas a sua devida dimensão e procurou fundar, aqui na terra, um paraíso, feito da confluência e fraternidade de todos aqueles seres –animais ou plantas, objetos, árvores, pessoas– que existem e coexistem em seus livros.

Não creio que haja outra prova ou evidência melhor de seu triunfo do que a facilidade com que seus poemas conseguem nos reconciliar com as pequenas coisas, inventam, para nós, «sob a desordem», um espaço «que nem todos sabe» e onde comungamos em plena presença com alegria, com aquele vitalismo que talvez tenha sido a sua ética, a sua moral no mundo e na arte. No que me diz respeito, além das páginas que nos legou, e como mais uma forma de servir e realizar o seu ministério, fica-nos a paciência e a dedicação com que durante anos ensinou as legiões de jovens poetas – e eu me incluo entre eles – para entender as chaves de seu ofício a partir da autoridade que sua altura e experiência lhe deram, mas sem nunca impor suas convicções, pregando apenas liberdade, amor pela beleza e tenacidade na companhia de espreitá-la.

Escusado será dizer que a isto se junta a marca profunda que deixou nas nossas cartas e que o consagrou como um dos grandes poetas do seu tempo. Onde quer que esteja, ele pode ficar tranquilo, sabendo que sua obra perdura neste mundo como um lugar físico e mental, e que cresce em nós como uma árvore cujos galhos nos protegem do cansaço, «do tumulto, da promiscuidade».

*Publicado originalmente na Letras Libres em 23 de maio de 2023.

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