Por Luis Alemañy
Embora possa parecer incrível, neste momento da história, há quem acredite que o Uruguai é um país sem rumo.
Não se trata de estrangeiros que não fazem a menor ideia da peculiar história que se passa nesta pequena nação do cone sul da América do Sul, há mais de dois séculos.
O mais espantoso é que quem acredita, cegamente, que o Uruguai navega sem rumo são alguns uruguaios e que, além disso, correm para dirigir os destinos da nação.
O paradoxo é que, para qualquer observador estrangeiro, mesmo que desconheça sua história, dada a instável situação regional e mundial, em meio a águas tão turbulentas, o Uruguai é reconhecido por ter conseguido sair graciosamente da pandemia que chocou toda a humanidade e, até agora, das múltiplas consequências da guerra em curso, há quase um ano, após a criminosa e retrógrada invasão russa da Ucrânia.
Apesar de tantas adversidades nos últimos anos, todos os indicadores sociais e econômicos são mais que eloqüentes para demonstrar que o Uruguai é um dos países que mais festejam, tanto regional quanto globalmente. Digamos apenas que a taxa de crescimento em 2022, no mundo, mal ultrapassou os 3% e a do Uruguai registrou 5%.
No que diz (se refer) respeito às sociedades humanas, os historiadores modernos conseguiram distinguir ciclos diferenciados que fazem parte tanto da história curta quanto da história longa. Octavio Paz nos alertou que essa distinção dos historiadores modernos, em nossa América Latina, já havia sido descoberta pelos maias.
E no atual turbilhão de acontecimentos cotidianos nas sociedades atuais, exaltado pela irrupção das redes sociais -na fase infantil da era da informática-, para qualquer observador desinformado, o panorama torna-se muito confuso, pouco promissor e muito auspicioso. e visões apocalípticas. A exaltação dos fatos negativos do conto esconde os passos mais fecundos que se inscrevem no relato do longo conto.
A longa história da humanidade é marcada pela evolução milenar da inteligência, quando se começou a intuir que a nossa espécie tem a capacidade que a distingue das demais: os seres humanos não se reproduzem, mas sim têm o dom de criar criaturas únicas e inteligentes como , na segunda metade do século 20, as descobertas genéticas mostraram isso. Essas descobertas nos confirmaram que, desde o momento de nossa concepção – por obra e graça do amor que uniu os pais -, somos uma possibilidade de ser quem somos, entre milhões e milhões de possibilidades de ser diferente pessoa.
Nesta verdade radical de nossa natureza como espécie, encontra sua principal razão de ser o fenômeno muito recente da fundação das sociedades democráticas modernas, após tantos milhões de anos de presença neste mundo e o reinado milenar do autoritarismo. Mas o desenvolvimento, também milenar, da inteligência humana, tem sido o principal arquiteto na paciente construção de longa história.
Da mesma forma, o autoritarismo continua sendo, em nossos dias, o maior flagelo que assola a maioria das sociedades humanas e a maior ameaça que as sociedades democráticas modernas devem enfrentar.
Si bien dicho fenómeno es muy preocupante en nuestros días, el período más dramático, se registró en el siglo XX, cuando irrumpieran los fenómenos ideológicos del nazi-fascismo y del comunismo, concitando la adhesión de importantes sectores populares y que terminaran aniquilando a millones de seres humanos.
Embora esse fenômeno seja muito preocupante em nossos dias, o período mais dramático, foi registrado no século XX, quando eclodiram os fenômenos ideológicos do nazifacismo e do comunismo, incentivando a adesão de importantes setores populares e que acabariam aniquilando milhões de seres humanos.
Mas essas utopias reacionárias do século XX não se resignam a desaparecer no século XXI. Eles continuam lutando até hoje, usando todos os meios à sua disposição para combater, no conto, as tendências inexoráveis do longo.
E, este fenómeno está a ter um impacto muito forte nas novíssimas sociedades democráticas modernas, desde as mais antigas e, muito mais, nas mais recentes.
Basta lembrar que, entre 167 países, até o momento, apenas 23 são considerados democracias plenas. E, em nossa sofrida América Latina, apenas três se classificam: Uruguai, que os lidera, seguido de Chile e Costa Rica.
Mas se pararmos para refletir sobre a longa história, encontramos a explicação de por que o Uruguai está entre as primeiras sociedades plenamente democráticas do mundo e a primeira da América Latina.
Os fundamentos encontram-se no essencial das Instruções de 1813, mandatando a construção de um Estado regido pela independência dos seus três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – consagrando «as liberdades civis e religiosas em toda a sua extensão imaginável». É verdade que levamos pouco mais de um século – até a Constituição de 1916 – para terminar de construí-lo e que tivemos que superar períodos sombrios no século XX, mas dos quais a sociedade democrática ressurgiu com força renovada.
Já em 1926, José Ortega y Gasset, prenunciando os dramáticos e trágicos anos que viriam, na “Rebelião das massas”, advertia: “As revoluções, tão incontinentes na sua pressa hipocritamente generosa de proclamar direitos, sempre violaram, pisotearam e o direito fundamental do homem, tão fundamental, que é a própria definição de sua substância: o direito à continuidade. A única diferença radical entre a história humana e a «história natural» é que a primeira nunca pode começar de novo. Köhler e outros mostraram como o chimpanzé e o orangotango diferem do homem não naquilo que, estritamente falando, chamamos de inteligência, mas porque eles têm muito menos memória do que nós. Os pobres animais descobrem todas as manhãs que esqueceram quase tudo o que experimentaram no dia anterior, e seu intelecto tem que trabalhar com um mínimo de material de experiência. Da mesma forma, o tigre de hoje é idêntico ao de seis mil anos atrás, porque cada tigre tem que voltar a ser tigre, como se nunca tivesse existido antes. O homem, pelo contrário, graças ao seu poder de recordar (lembrar), acumula o seu próprio passado, possui-o e dele tira partido. O homem nunca é um primeiro homem: ele começa a existir a partir de então em uma certa altitude de pretérito acumulado. Este é o tesouro único do homem, seu privilégio e seu sinal. E a riqueza menor desse tesouro consiste naquilo que parece correto e digno de ser preservado sobre ele: o importante é a memória dos erros, que nos permite não cometer os mesmos o tempo todo. O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro de seus erros, a longa experiência de vida decantada gota a gota ao longo de milênios. É por isso que Nietzsche define o homem superior como o ser «de mais longa memória «.
Reflexões semelhantes e que datam do mesmo período, encontramos (da mesma epoca, encontram-se) nas obras do nosso Carlos Vaz Ferreira, quando ambos não sabiam que as suas reflexões, forjadas na altitude (no auge) daquele passado amontoado , segundo Ortega y Gasset, cimentavam a construção do legado A coisa mais importante que o século XX nos deixaria, a Filosofia da Inteligência, tal como nos revelou no ano 2000, outro compatriota, Arturo Ardão, na sua “Lógica da Razão, Lógica da Inteligência”.
Assim, se alguém despreparado, neste 2023 inicial, depois de tudo o que viveu e pensou, chegar (passar) a acreditar que nosso país não tem rumo, apenas exibirá uma ignorância olímpica.
Luis Alemany, 9 de janeiro de 2023.